ACÚSTICA: TÉCNICA E SENSIBILIDADE

A acústica aplicada à arquitetura não se resume apenas a soluções exclusivamente voltadas à proteção dos ambientes internos em relação aos externos ou em relação à vizinhança. Tampouco somente à busca de um adequado acondicionamento das salas a fim de se alcançar uma boa qualidade sonora para reprodução do som. Há outra face, um certo lirismo na acústica que, a partir de seus fundamentos vinculados às formas geométricas e materiais especiais, é capaz de atuar em conjunto com o projeto arquitetônico proporcionando mais satisfação aos usuários que ocuparão o espaço tratado.

Os sons, perceptíveis pela audição, se constituem um meio de comunicação que transmitem várias expressões estéticas e emocionais. No entanto, para um tratamento acústico, não se deve desconsiderar os aspectos estéticos, funcionais e compositivos possibilitados pelos recursos das formas, perceptíveis pela visão. Deve-se buscar a máxima consciência do espaço como um todo, a partir de todos os sentidos.

Ambientes que visam extrair o melhor da música e do cinema devem receber atenção especial. A arte no “campo sonoro musical” é amplamente demonstrada por vários compositores e instrumentistas e, através de equipamentos de áudio e vídeo com recursos tecnológicos modernos e sofisticados, somos capazes de nos sensibilizar com a capacidade virtuosística de seus intérpretes. Da mesma maneira, a linguagem das obras cinematográficas é complementada pelos efeitos sonoros, os quais devem ser perfeitamente compreendidos para o desfrute pleno da obra em si.

Neste século XXI, temos a nosso alcance uma enorme variedade de estetas da arquitetura e do design que incluem em seus projetos o conceito compositivo dos sons, estes, que integram um arcabouço geral de conhecimento da arte contemporânea. Demonstram-nos particularidades de diferentes ambientes através da percepção sonora, mesmo que nos encontrássemos com os olhos vendados.

Se fizéssemos, por exemplo, uma viagem cujo percurso englobaria algumas capitais de estados brasileiros e fossemos de olhos vendados, notaríamos diferenças claras entre todas elas, mesmo se escolhêssemos um itinerário supostamente semelhante, como áreas centrais ou bairros residenciais ou periferias ou parques, tanto sob o ponto de vista urbano, arquitetônico ou paisagístico. Notaríamos diferenças também devido a nossa percepção pelos outros sentidos. Quanto ao sentido da audição notaríamos variações de volume (nível sonoro), tons, timbres, reverberações, ecos, focalizações, lateralidade, distribuição espacial dos sons, proximidades de alguns elementos, etc. Estas acontecem devido ao número de pavimentos, tipos de fachadas, distâncias entre as edificações, fluxos viários, comunicação interpessoal, etc. Como exemplo didático, as imagens abaixo nos permitem imaginar claramente as diferentes percepções do som em função do volume da água e seu ambiente.

Atualmente, a acústica é, então, uma ciência de aplicações multidisciplinares em busca de soluções para o espaço urbano e o espaço habitado, tanto para moradia quanto para as atividades do trabalho.

A acústica tem evoluído fundamentalmente a partir das ciências dos materiais e do estudo das formas. Este último remonta à Grécia Antiga, embora as formas circulares, quadriláteros e formas alongadas em meio a representações de animais já fossem encontradas em cavernas. Hoje há ramos inteiros da matemática que se dedicam ao estudo das formas, como na topologia e na geometria fractal; na biologia, a partir da morfogênese, que estuda a evolução dos embriões e as transformações de sua forma ao longo de seu desenvolvimento. Ela abrange a forma do objeto inerte, o desenho esboçado no espaço por um fenômeno físico, uma reação química… Os processos do ser vivo.

As novas formas estão presentes na acústica contemporânea. Elas tornam-se aplicações acústicas esteticamente muito atraentes e até sedutoras no sentido artístico. Promovem o controle e a correção de todos os aspectos indesejáveis que uma propagação sonora poderá causar quanto a uma boa recepção do som. Atuam diretamente na distribuição da energia sonora evitando reverberações e atuando diretamente na absorção de forma ativa.

A acústica também se tornou uma necessidade técnica a ser aplicada à estética arquitetônica contemporânea para resolver os problemas da recepção e emissão sonora dentro de um ambiente, de maneira a proporcionar conforto e por consequência prazer na ocupação do espaço. Equipamentos de áudio e vídeo, cada vez mais sofisticados e caros, não podem perder seus aspectos tecnológicos mais determinantes, promotores de verdadeiro encantamento de seus usuários, em função de um mau condicionamento do espaço físico. Um investimento de dezenas a centenas de milhares de dólares num equipamento moderno pode ser questionado quando o espaço da sala de áudio acarretar na perda de 20 a 50% de seu desempenho.

Outro aspecto também muito importante é a questão do conforto proporcionado pelo silêncio. Deve-se buscar a diminuição das contaminações sonoras dentro de uma habitação: o ruído intenso do tráfego, os sons dos vizinhos, os ruídos dos equipamentos de manutenção urbana, etc. A residência tornou-se uma “fortaleza” onde todos procuram a proteção ideal para o descanso, a paz e a tranquilidade para recompor as forças e mantes o desempenho nas jornadas de trabalho do dia-a-dia. Neste caso, o sono é mais importante que a privacidade.

A busca do silêncio seria o fator mais importante da percepção lírica e poética da acústica para a arquitetura. No silêncio teremos maior capacidade de ouvir o outro (e ser ouvido) por inteiro, do ato respiratório até a voz; os sons dos deslocamentos corpóreos, do toque, da proximidade, do afastamento, do estado emocional, da espirituosidade externada através do tom de voz, entre outros. Esta busca inicia-se no projeto arquitetônico e, para cada projeto, há uma abordagem particular. Portanto, há de se buscar o conforto acústico que resulte na satisfação do usuário, em todos os tipos de edificações, tanto nas já construídas quanto naquelas a serem construídas.