O SILÊNCIO

“A música é o silêncio interrompido” (G. Steiner)

Dificilmente conseguiríamos recriar um “santuário sonoro” – tal como encontrado num bosque, em alto mar, nas encostas montanhosas, no planar silencioso das aves ou quando olhamos para as estrelas – para nos curar da fadiga. Nas cidades, há alguns ambientes que proporcionam esta ambiência, como igrejas, bibliotecas e salas de concerto – antes de iniciar a música.

O silêncio é pensado em termos predominantemente figurativos, mais que físicos. Um mundo silencioso é improvável. Existe nível sonoro médio suficientemente baixo que permita que pessoas meditem ou descansem sem um contínuo recital de incursões sônicas em seu fluxo de pensamento.

Adquirimos novos hábitos em função de novas práticas cotidianas e novas tecnologias incorporadas ao nosso dia-a-dia. O telefone, por exemplo, depois de inventado, encurtou distâncias, mas também tornou as frases de nossos pensamentos mais curtas. Contemplar um silêncio absoluto se tornou negativo e aterrorizante. Após o surgimento do telescópio de Galileu e a compreensão da infinitude do espaço pela primeira vez, a perspectiva de um silencio infinito e eterno assustou os pensadores.

Para experimentar esta dimensão silenciosa, deve-se recorrer a uma câmara anecóica num laboratório de acústica. Esta câmara simula o campo sonoro livre e não se relaciona com o meio exterior, pois é construída sobre molas e desconectada de qualquer parte fixa no solo. Possui paredes extremamente densas e superfícies internas extremamente absorvedoras, a ponto de ouvirmos nosso fluxo sanguíneo e nossa atividade respiratória.

O silêncio não existe como referencial humano, portanto há dificuldades em conceituá- lo. Para o ser humano, somente a morte geraria uma ausência completa dos ruídos e sons existentes em nosso universo perceptível; do contrário é possível apenas uma redução desses ruídos. Por sempre haver vibrações das moléculas do ar, sons sempre serão produzidos.

Na psicologia da percepção visual, fala-se na alternância entre figura e fundo; qualquer de ambos pode se tornar a mensagem visual para o olho, dependendo do que este quer ver. Analogamente, há a relação entre sinal e ruído, isto é, os sons desejados e indesejados. Numa peça musical, sempre se oculta outra peça musical. Há um microuniverso de eventos sonoros que temos considerado devidamente como “silenciosos”. Em alguns casos o chamamos de ruído, pois o ruído é o som que fomos educados a ignorar. Há eventos sonoros residuais ou não, como tosses, arrastar dos pés, respirações, ruídos de gravações, etc.

Paradoxalmente, dependemos de alguns ruídos característicos para que identifiquemos o silêncio. Numa casa de fazenda, relativamente afastada de vias de fluxo viário de autoestradas, percebemos o silêncio a partir dos ruídos dos ventos sobre as árvores, da presença de pequenos animais, como sapos, grilos, cigarras, corujas, etc., e até por ocorrência de chuvas. Quanto mais ouvirmos estas manifestações, mais identificaremos o silêncio desta moradia. Psicologicamente, sentiremos mais o silêncio a cada fonte que cessar.

Já nas cidades, mesmo que houvesse sons dessa natureza, provavelmente não seriam ouvidos devido a outras fontes “normais” urbanas, como automóveis, circulação de pessoas, máquinas de manutenção de vias, serviços de limpeza pública, ruído de baixa frequência de redes de transmissão de energia, etc.

O silêncio é muito expressivo em todos os sentidos. Desde a caracterização da privacidade até do próprio conforto. Por outro lado, o silêncio pode externar também o oposto da privacidade: a exposição. Num ambiente ocupado por muitas pessoas (provavelmente ruidoso), como uma churrascaria, um salão de festas, um lobby de hotel em alta temporada, entre outros, uma pessoa pode se sentir mais protegida devido ao seu anonimato perante tantos outros. Já num ambiente de ocupação muito baixa e silencioso, a mesma pessoa pode se sentir muito mais exposta.